A Arquidiocese de Manaus celebrou a Missa dos Ramos, solenidade que dá início à Semana Santa, na manhã do dia 5 de abril, na Catedral Metropolitana de Manaus – Nossa Senhora da Conceição. Sob a presidência do Arcebispo, Dom Leonardo Ulrich Steiner, e concelebrado pelos bispos auxiliares Dom José Albuquerque e Dom Tadeu Canavarros, e o Pe. Hudson Ribeiro.

A celebração foi acompanhada por centenas de pessoas através da transmissão ao vivo pela TV Encontro das Águas, Rádio Rio Mar FM e redes sociais da Catedral Metropolitana de Manaus.

Confira as palavras proferidas pelo arcebispo de Manaus durante a homilia. Leia na íntegra:

“Quando Jesus entrou em Jerusalém a cidade inteira se agitou, e diziam: Quem é esse homem? E as multidões respondiam: Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galileia.”

Domingo de Ramos! Jesus entra na cidade de Jerusalém acompanhado da multidão que agita ramos, expressando alegria e júbilo. A liturgia de Ramos faz ressoar a leitura da Paixão do Senhor segundo Mateus e ecoar na Igreja a memória da paixão e da morte. Foi suspenso entre o céu a terra o inocente, o cordeiro imolado.

Somos, hoje, introduzidos na casa da salvação! Somos visitados pelo Servo dos servos e recebemos o anúncio do amor que redime. Acolhemos aquele que se apresenta como oferta pura e sem mancha, oferta-sacrifício de amor. O Domingo de Ramos é lugar de chegada, por isso, de encontro. O nascer, o viver, o pregar, o curar do Filho do Homem, chega à sua culminância.

Domingo dos Ramos, a aclamação dos hosanas ao profeta da Galileia, é expressão do contentamento pela aparição do novo Reino. Jesus é o anúncio de um mundo novo de justiça, de verdade, de paz, de irmandade e de amor. Ele passou pela terra dos homens, a terra da fragilidade e do pecado, fazendo o bem e anunciando um novo céu e uma nova terra; terra de vida, de liberdade, de reconciliação e de gratuidade. Proclamou que Deus é amor. Ele não excluiu ninguém, buscou, especialmente, os pecadores e a todos ofereceu a pertença ao novo Reino. Apresentou um novo mandamento que integra social e religiosamente os leprosos, os paralíticos, os cegos, os coxos, os surdos, os mudos, os pobres no espírito e no “bolso”. Eles não deviam ser marginalizados, pois são os amados, as amadas de Deus. Ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos, os prediletos de Deus. Eles têm um coração disponível para acolher o Reino dos Céus. Abriu os olhos para perceber a gratuidade do Reino de Deus: quando deres um banquete convida os pobres, eles não com que te retribuir. Mas também, admoestou os poderosos, os instalados, os egoístas, os orgulhosos, os autossuficientes, os violentos, os rigoristas, os fechados no seu mundo, que eles, na desatenção, participam com antecedência da morte. São as pessoas que preferem distanciar-se de Deus. Eles se excluem do Reino dos Céus. Dia dos Ramos é o anúncio de que a vida nova está por eclodir, manifestar-se.

Viemos caminhando com Jesus durante cinco semanas e, devagar pela meditação da Palavra, fomos chegando sempre mais perto de Jerusalém. As leituras foram suscitando em nós uma inquietação, um suspense, uma luz-penumbra. A palavra foi nos despertando para o mistério da morte e da vida. Cresceu em cada um de nós o desejo de entrar com Ele em Jerusalém, de acolhê-lo na casa de nossa existência. Apesar do caminho percorrido com oração, jejum e esmola, somos ainda verdes na fé, não amadurecidos, para nos apercebermos que da morte-doação, da morte-gratuidade, da morte-amor-liberdade, desabrocha, floresce a eternidade, a vida nova, a Luz sem o ocaso. Por isso, hoje, temos necessidade de entrar com Jesus em Jerusalém e recebê-lo na casa da nossa humanidade e fragilidade.

Depois de cinco semanas, chegamos com Jesus à cidadezinha de Betfagé, que em Aramaico significa “Casa de figos não maduros”. Jesus chegou à cidadezinha dos figos verdes. Apesar dos nossos jejuns, esmolas e orações quaresmais, somos apenas lugar de passagem, a casa dos figos verdes. Apesar da nossa imaturidade, é ali que Ele se abriga para entrar em Jerusalém. A liturgia de Ramos é uma verdadeira provocação para maturar em nós a vida de Jesus, nos tornarmos frutos maduros; deixarmos que entre na casa do nosso viver, para sermos atingidos pelo morrer-vida, pelo morrer-vivente, pelo último hálito que se transforma em ser um com o Pai!

Ele revestido da simplicidade e da pobreza da nossa humanidade e fragilidade, carregado por um jumentinho, ingressa na cidade, na capital, no lugar onde se encontrava o lugar sagrado dos sacrifícios. Despojado, entra e nos conduz até o altar do sacrifício, não mais de cordeiros e touros, mas Ele o Cordeiro que lava, com seu sangue, os nossos pecados. E, quase assustados o aclamamos com hosanas e entramos com Ele, desejosos de redenção, de reconciliação, de libertação.

A nossa cidade tornou-se a grande catedral onde estamos todos, você com sua família, os nossos ministros, os nossos religiosos e religiosas, nossos padres, nós bispos. Os ramos verdes que colocamos na porta de nossas casas, são a nossa procissão, a nossa participação no caminhar de Jesus que ingressa na cidade santa. Eles são um hosana, a expressão do nosso desejo que Ele entre na Jerusalém da nossa vida, entre nas nossas casas e transforme nosso conviver.

Entramos na cidade do amor, da Ceia, do Pão; entramos no espaço e no tempo onde recebemos a nossa identidade: servir, lavar os pés. Ao entrarmos na cidade nos é dado abrir os olhos e deixar que esse mistério nos tome e nos transforme.

Entramos na cidade da dor, do sofrimento, da morte, da entrega, do amor. Sim, entramos no espaço e no tempo da salvação. Entramos com os ramos da vida, para aclamar o amor que redime. Entramos com os ramos da vida para saudar a vida que virá pela morte.

Entramos na cidade do abandono-entrega: “Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?” Abandonado, tomado pela solidão, perdido em seu amor que era correspondido e, agora, suspenso na cruz, sai à procura do Pai. Sim, o abandono, a solidão da humanidade sem rumos, as fadigas e desesperanças, o sem futuro, o temor da morte que advém sem ter alguém. Deus-homem, homem-Deus que percorre as entranhas da terra dos homens e das mulheres perdidos no desamor. É o grito de todos os homens e de todas as mulheres, das crianças soldado, das crianças abusadas, dos jovens sem futuro, dos famintos, dos sem casa, sem família, dos sem esperança, todos aterrorizados pela morte. Onde estou? Quem virá? Onde estás, Senhor? Aquela desesperança que nada, a ninguém vê. Mas, no silêncio da escuridão da dor percebe que Pai, ali está.

Somos quase tomados de angústia com o grito-gemido-perdido de Jesus. Não vem resposta: sem presença, pura ausência!! Mas não ausência de amor!!!! Num grito, ele entrega nas mãos do Pai o seu espírito. Quem é este homem que no Evangelho de Mateus nos desperta para um amor inaudito, transformador, gratuito? Quem é este homem crucificado, abandonado que nos indica a força, a essência do nosso ser homem, da nossa humanidade? Lá onde temos a impressão de estar tudo perdido, no silêncio ensurdecedor, na escuridão do não saber, emerge das entranhas da alma uma declaração de amor sem espera de ser amado. No hálito do Espírito tudo se torna tempo e espaço de amor. Tudo na liberdade, na gratuidade de ser amor. Não mais querer, apenas ser!

Hoje, Domingo dos Ramos, pelo Evangelho de Mateus somos empurrados para a essência da nossa fé, para o único, intocável, não palpável, que nos oferece a fé em Jesus: um amor sem trocas. Como recordava um místico: Naquele momento da entrega, o Pai reconhece o Filho: finalmente encontrei alguém que ama como como eu amo, um amor sem porquê, sem para quê; pura gratuidade de amar.

É tão sublime, tão radical, tão elevado, tão liberdade, tão gratuidade, que chegamos a pensar: impossível, incompreensível, imperceptível, não-papável, inodoro, não palatável. Eis, Deus humanado, Crucificado, Morrido! Veio visibilizar essa vocação extraordinária do ser humano de um amor sem medida. Essa dinâmica, impossível aos nossos olhos e ao nosso coração, é o crístico do ser cristão.

Ouvimos o que Paulo escreveu aos filipenses. Deus não permaneceu na distância, Deus não permaneceu no envio de mensageiros-anjos, no envio de profetas. Ele mesmo, hoje, entra em Jerusalém e visibiliza como se fez um de nós, pela morte e morte de cruz, por amor. Pois, “Jesus Cristo, existindo em condição divina, não fez do seu ser igual a Deus uma usurpação, mas ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens.” (Fl 2,6-11) Um de nós, não outro de nós! Como nós, “igual aos homens”, nos aponta o lugar da nossa transformação e maturação: o amor sem medida. “Encontrado com aspecto humano, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até morte, e morte de cruz”, nos disse Paulo. “Por isso, Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o Nome que está acima de todo nome. Assim, ao nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e abaixo da terra, e toda a língua proclame: Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus.”

Ele tornou-se senhor de tudo e de todos, dos vivos e dos mortos, da vida e da morte, porque gratuidade de amor. Não é essa a razão dos pobres, dos necessitados aproximarem-se do crucificado, acariciá-lo, beija-lo, contemplá-lo? Como se olhassem no espelho do desejo e dizer: tu, meu senhor e meu Deus!

No meio da pandemia que vivemos pedimos que Jesus olhe para as portas de nossas casas assinaladas com os ramos verdes e afaste a morte e nos conceda vida. Olhe o nosso desejo de estarmos com ele nesses dias de sua paixão, cruz, morte e ressurreição. Como desejaríamos sair pelas ruas de nossa cidade, com os ramos, em uma grande procissão e participar do mistério de sua morte e vida. O nosso desejo hoje transforma-se numa multidão que nas casas aclama a Jesus e o acompanha, porque você e eu, todos nós entramos no santuário da salvação. Hoje, Ele entra no santuário que somos nós. Ele olhe os ramos, sinal de nossa fé, e nos ajude a caminhar pelas incertezas da dor, do sofrimento, do isolamento. Olhe para os nossos ramos verdes que reafirmam a nossa esperança de podermos novamente nos abraçar, beijar, acarinhar, experimentar a proximidade, a maternidade e a paternidade. Pedimos que entre nas nossas casas e nos abra à graça do amor; um amor, desmedido, generoso, gratuito, de fonte. Pedimos que entre nas nossas casas e nos ajude na acolhida dos nossos irmãos e irmãs sem casa, sem teto, sem comida, sem aconchego, sem afeto; os esquecidos, os errantes no deserto da nossa cidade. Entre nas nossas casas e conceda bom ânimo aos irmãs e irmãs que continuam a limpas as nossas ruas, a recolher o lixo; aqueles irmãos e irmãos que abastecem a nossa cidade, que cuidam da nossa segurança. Olhe por eles e olha as nossas irmãs e os nossos irmãos que nesse tempo cuidam daqueles que ninguém quer cuidar. Ele entre nos nossos hospitais e conceda mãos benignas, olhos consoladores aos nossos irmãos e irmãs que servem e cuidam dos nossos doentes. Conceda energia, vigor ao coração das mulheres e dos homens vestidas de branco, de azul, da cor do serviço e do cuidado, do lava pés. Entra nas casas dos irmãos que muito tem e acende em seus corações o deseja da partilha, da solidariedade, o dom de amar.

Entra, Senhor, nas nossas casas para confortar os que temem a morte, sem conhecer a vida, que és Tu. Entra nas nossas casas e olha bondosamente pelos nossos idosos, nossas avós, nossos avôs. Necessitamos da sabedoria e do caminho percorrido. Olha para a aflição das nossas mães e dos nossos pais desempregados que não sabem como colocar pão, feijão e arroz na mesa de seus filhos. Entra nas nossas casas assinaladas pelo ramo verde e ajuda-nos a maturar na graça do perdão e da reconciliação. Como poetava Cora Carolina, entra, Senhor, nas nossas casas e toca o coração para ser: o colo que acolhe, o braço que envolve, a palavra que conforta, o silêncio que respeita, a alegria que contagia, a lágrima que corre, o olhar que acaricia, o desejo que sacia, o amor que promove. Sabemos que isso não é coisa de outro mundo, mas o que dá sentido à vida, vivendo de Ti. (cf. Cora Carolina)

Entra, Senhor em nossas casas, e ensina-nos a permanecer enraizados em Ti, em Ti fontados, em Ti vivos. Te pedimos: vem, Senhor Jesus!

Oração

Senhor, saímos ao Teu encontro com ramos verdes para aclamar: vem, Senhor Jesus! Sabemos que os ramos secarão, não seque a fonte da nossa vida que és tu. Entra na nossa casa, transforma com a morte de cruz, a nossa vida. Deixa-nos permanecer na dinâmica do teu amor desmedido. Conserva-nos na tua bondade, para servir bondosamente os irmãos e irmãs. Vem Senhor Jesus! Amém!

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